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Políticas de Inimizade Enraizadas no Brasil

  • Writer: João Pedro de O. Lopes
    João Pedro de O. Lopes
  • Oct 25, 2022
  • 5 min read

A priori, quando se pensa em políticas públicas, as ações afirmativas que visam a melhoria das condições de vida da população em geral, via de regra, são a primeira referência. Segundo a jurista Maria Paula Dallari Bucci: Política pública é o programa de ação governamental que resulta de um processo ou conjunto de processos juridicamente regulados (...) visando coordenar os meios à disposição do Estado e as atividades privadas, para a realização de objetivos socialmente relevantes e politicamente determinados¹. No entanto, como veremos a seguir, algumas políticas públicas acabam tendo o fim oposto, destruindo vidas em massa, de uma parcela marginalizada da população. São essas as políticas públicas que Achille Mbembe denomina de necropolítica².


Durante a História do país, a necropolítica sempre se mostrou presente, se desdobrando desde a criação das polícias imperiais em 1809, uma instituição nascida e desenvolvida com o bem objetivo de garantir os interesses (...) das classes privilegiadas, (...) que não tem em sua gênese a finalidade de garantir o Estado Democrático de Direito³, até as políticas cariocas citadas na introdução.


Com o fim da escravidão em 1888 e a constituição de 1889, o governo brasileiro não tratou de positivar leis expressamente segregacionistas, como a famosa Jim Crow no sul dos EUA. O racismo das terras tupiniquins se instaura transvestido de desleixo governamental. O governo trata de ignorar a população que tentava se integrar naquele momento no país, não apenas sem lhes conceder qualquer direito agrário ou renda básica, mas, também, sucateando o atendimento e o funcionamento das áreas mais pobres e que mais necessitavam de políticas públicas, criando, inclusive, instituições, como a polícia, que não por maior razão, veio a se transformar naquela que mais mata (pretos e pobres) e mais morre (também pretos e pobres).


Assim, com o objetivo de garantir os interesses da classe dominante e precarizando cada vez mais as condições das classes mais necessitadas, a necropolítica foi se proliferando. O país se moldou em um projeto de políticas de inimizade do Outro, que tem em seu cerne o racismo herdado do período escravocrata.


Em entrevista recente à TV Cultura, o ex-ministro da educação Cristovam Buarque afirmou que, ainda hoje, continuamos com números avassaladores de analfabetismo dentre a população negra e parda no Brasil justamente por conta deste projeto falho de governo. Segundo o professor, quando a elite brasileira percebeu que uma pessoa nasce duas vezes, uma quando sai do ventre e uma quando entra pra escola, para manter seus privilégios, criou um antídoto contra as leis de libertações dos escravos, que foi a falta de escola, que perdurou por 130 anos. Isso muda com a constituição de 1988, quando passamos a ter matrícula para todos, mas continuamos tendo escolas desiguais.


Nesse sentido, com a falta de investimentos em escolaridade e, consequentemente, oportunidades igualitárias, incentivando o ensino privado para os filhos da elite e mantendo o ensino público sucateado para o resto da população, o projeto de dominação se instaura, aprisionando aquelas pessoas já marginalizadas a uma eterna condição subalternizada.


Uma das consequências da falta de investimento, ou melhor, do efetivo investimento em políticas públicas que mantivessem a população carente à margem da sociedade, foi o constante aumento dos índices de (in)segurança pública. O Brasil, no final da década de 1980, período em que estava sob o regime ditadura militar, importou a política antidrogas (e antiperiféricos) implementada pelo governo Nixon, nos Estados Unidos⁵, estigmatizando não apenas as drogas em si, mas os usuários e os comerciantes que, em sua maioria, e não por coincidência, são as mesmas pessoas que sempre viveram excluídas da sociedade.


Os desdobramentos da guerra às drogas se intensificaram, entretanto, em 2006, quando o então presidente Luiz Inácio Lula da Silva aprovou a atual lei de drogas (L.11.343/06), causando um aumento exponencial na população carcerária. Segundo a autora Juliana Borges, em seu livro “O que é? Encarceramento em massa”, em 1990, a população prisional brasileira tinha pouco mais de 90 mil pessoas. (...) O crescimento abrupto ocorre, exatamente, após 2006 e a aprovação da lei de drogas⁶. Em 2016, o sistema carcerário brasileiro, contava com 773 mil internos⁷, sendo certo que 26% da população prisional masculina e 62% da feminina estava encarcerada por tráfico⁸. Assim, é possível concluir que essa guerra serve somente para excluir uma população muito bem definida, os outros, indesejados pelas classes dominantes: ex escravizados, pretos e pobres.



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Fonte: O Globo


Essa política segue até os dias atuais, como se vê pela condução das políticas de segurança pública de Wilson Witzel, eleito Governador do RJ em 2018, que destinou aproximadamente 12,7 bilhões de reais no ano de 2020, correspondendo a 15,7% de todo o orçamento da região Fluminense⁹. Apesar dos incentivos financeiros, entretanto, o investimento nunca visou a proteção da totalidade populacional, mas, ao contrário, a eliminação de indivíduos em operações dentro das favelas¹⁰.


Outro importante exemplo dessas políticas de exclusão, temos o racismo ambiental emplacado contra as comunidades ribeirinhas e indígenas¹¹, que seria um conjunto de ideias e práticas (...) que aceitam a degradação ambiental e humana, com a justificativa da busca do desenvolvimento e com a naturalização implícita da inferioridade de determinados segmentos da população afetados; negros, índios, migrantes, extrativistas, pescadores, trabalhadores pobres (...). Nesse sentido, as políticas públicas brasileiras voltadas para exploração dos recursos naturais na Amazônia durante o século XX e XXI em nada se diferenciam daquilo que era feito pelos portugueses enquanto exportavam o Pau-Brasil.


Portanto, é preciso se questionar a qual população as políticas públicas são realmente destinadas, excluindo do pensamento automático a ideia de que toda e qualquer política pública melhora a condição de vida de todos, atendendo as reais necessidades sociais, em especial daqueles mais necessitados. Apoiar investimentos que visem a garantia dos direitos básicos da população, como um todo, com foco em educação básica, moradia, manutenção dos recursos naturais, alimentação, renda básica, pleno emprego, dentre outros, é um bom início para uma mudança efetiva na implantação de políticas públicas necessárias para que se caminhe rumo à equidade racial.



BIBLIOGRAFIA:


¹ (BUCCI, 2006, p. 39)

² MBEMBE, Achille. Necropolítica. n-1 edições, 2021.

³ DORNELLES, João Ricardo W. Conflito e segurança: entre pombos e falcões. Editora Lumen Juris, 2003. - P. 76.

DE CARVALHO, Luiza Sousa. POLÍTICAS DA INIMIZADE E O GENOCÍDIO ANTINEGRO NO BRASIL: um estudo sobre.

⁵ Disponível em: https://www.politize.com.br/guerra-as-drogas/#:~:text=O%20QUE%20%C3%89%20A%20GUERRA,o%20principal%20inimigo%20do%20Estado.

⁶ BORGES, Juliana. Encarceramento em massa. Pólen Produção Editorial LTDA, 2019. - Pág. 19.

⁷ Infopen, junho/2016

⁸ BORGES, Juliana. Encarceramento em massa. Pólen Produção Editorial LTDA, 2019. - Pág. 19.

⁹ CICONELLO, Alexandre. A política de segurança pública do Rio de Janeiro é ineficiente e financeiramente insustentável. Rede de Observatórios da Segurança/CESeC, 2019. (Pág. 03)

¹⁰ Segundo reportagem de Novembro de 2018, disponível em: https://veja.abril.com.br/politica/wilson-witzel-a-policia-vai-mirar-na-cabecinha-e-fogo/

¹¹ HERCULANO, Selene. Desastres ambientais, vulnerabilidade social e pobreza. Revista Nova América, n. 111, 2006. - P. 11

 
 
 

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