Universidade para todos, permanência para poucos
- Rafaela Rodrigues
- Jun 28, 2023
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A educação é um elemento fundamental dentro de uma sociedade, pois é através do ensino que o ser humano desenvolve suas habilidades.
No Brasil, a educação superior pode ser utilizada como um instrumento de ascensão social e inclusão de minorias, já que abre inúmeras possibilidades para camadas vulneráveis da sociedade buscarem um futuro melhor. Diante da sua importância, a educação ganhou o status de direito fundamental, garantida pela Constituição Federal, estendendo-se a todos os níveis de ensino, desde a educação básica até o ensino superior.
Ante esse cenário, são necessárias políticas públicas focalizadas na expansão do ensino superior e na democratização do acesso à educação. Esses projetos encontram amparo na Constituição Federal de 1988, que coloca a educação como um direito social e prevê, em seu artigo 2051, que essa garantia é uma atribuição dada ao Estado.
Antecedente à Constituição de 1988, houve um dos marcos do ensino superior no Brasil, qual seja, a Reforma Universitária de 1968. A principal característica dessa Reforma foi o processo de privatização das instituições de ensino, deixando sequelas até os dias atuais. Com o desenvolvimento da sociedade brasileira e a ideia de um Estado progressista que se atente à causas sociais, sobretudo a partir do governo Lula, foram implementadas diversas medidas para democratização do ensino. O ponto inicial do governo Federal para mitigar esse problema foi a construção de diversas universidades públicas ao redor do país. No entanto, essas universidades estão concentradas majoritariamente em grandes cidades, o que, consequentemente, dificulta o acesso de muitos estudantes vindos do interior. Outro problema é a competição desigual entre estudantes que não tiveram acesso a um ensino de qualidade em sua base de aprendizado em face de candidatos que se preparam nos maiores centros de ensino do país.
A diferença de tratamento dentro das universidades para com aqueles que estão no “topo da pirâmide do aprendizado” e os que estão abaixo é clara e evidente. Afinal, apesar do grande número de Instituições de Ensino Superior (IES) públicas que foram criadas, ainda predominam as instituições privadas2, como expõe o censo da educação superior realizado pelo INEP3 em 2020. Os dados mostram 87,6% das universidades brasileiras são privadas. Com o alto número de universidades particulares e visando democratizar o acesso ao ensino superior de qualidade foi criado o Programa Universidade Para Todos.
O Programa Universidade Para Todos (Prouni) é uma política pública afirmativa que tem por intuito o ingresso de estudantes de baixa renda no ensino superior, focada nos egressos do ensino público e bolsistas integrais de instituições privadas. Entretanto, somente o acesso ao ensino superior não é suficiente para que os alunos alcancem a conclusão do curso, visto que muitos enfrentam dificuldades para permanecer nos seus estudos devido a problemas financeiros. Segundo dados de pesquisa realizada pela Associação Brasileira de Estágios (ABRES), apenas 686 mil brasileiros possuíam ensino superior no ano de 2021. No entanto, estimativa do IBGE do mesmo ano constatou que o número de brasileiros entre 15 e 29 anos era de mais de 47 milhões de pessoas. Essas circunstâncias ainda se dividem em dimensões de recorte racial, social, étnico, financeiro ou até mesmo regional.
Diante de tal situação, um estudante que preencha os pré-requisitos para conseguir uma bolsa 100% no Prouni deve ter renda de até 1,5 salários mínimos dentro do grupo familiar, valor que em muitas cidades urbanizadas não é suficiente para suprir nem ao menos necessidades básicas, como é o caso do Rio de Janeiro.
À vista disso, em 2013 foi implementado o auxílio permanência no valor de R$400 para os estudantes do ProUni. Contudo, esse valor só foi reajustado em 2023, quase 10 anos depois, quando subiu para R$700,00. Para obtê-lo, os bolsistas passam por uma avaliação de renda e, assim, podem usufruir do benefício. A disparidade, porém, entre o número de beneficiários de 100% da bolsa e os jovens que recebem a ajuda de custo é estonteante. Segundo dados do Ministério da Educação, o repasse atual de auxílio extra é para somente 9.220 alunos, mas só no ano de 2022 foram ofertadas 181.036 bolsas integrais.
Entretanto, seguindo a lógica óbvia: se no caso do Rio de Janeiro nem ao menos 1,5 salário mínimo é o suficiente para as demandas básicas da população, como seria possível se manter com esse valor? E qual é o critério para esses indivíduos que, em privilégio sob outros, recebem 700 reais a mais que todos os demais bolsistas que tem sua faculdade 100% paga? Se sua baixa renda já é comprovada, dar acesso à universidade em capitais caras sem auxiliar no custo de suas despesas seria fazer com que, de forma indireta, núcleos familiares de classe baixa tenham que sustentar duas bases: em seu local de origem e em uma nova região em condições ainda mais precárias. Embora na teoria possa soar bonito, é em vão se não forem criadas medidas adicionais que visem a permanência desse estudante, como por exemplo: restaurantes com preços acessíveis, projetos de estudo de baixo custo ou ajuda com o material didático escolar. É justamente pela falta dessas medidas que em muitos casos o estudante se vê obrigado a trabalhar para ter seu sustento,
O Brasil é um dos países com o maior índice de desigualdade social e entre uma de suas principais causas está o acesso à educação deficitário. Historicamente, o mundo acadêmico sempre foi elitizado, o que traz impactos perceptíveis até os dias de hoje. Esse recorte socioeconômico deveria ser objeto de olhar imprescindível para a elaboração de políticas públicas eficientes. De que adianta apenas dar acesso a universidade se sua permanência não será garantida? Como consequência, temos os elevados índices de evasão, já que em alguns casos não há a possibilidade de conciliar os estudos com trabalho, com distância ou acompanhar a metodologia dos professores feita para essa elite. E, nesses casos, o estudante muitas vezes opta apenas pelo abandono do curso.
Resta nítido que, para que esta política pública alcance seu objetivo, é necessário que o aluno seja inserido no curso e tenha também as devidas condições de concluí-lo. Se pensarmos em um acesso ao ensino superior sem solucionarmos a permanência estudantil e seus inúmeros recortes, a universidade que é para todos, se torna para os poucos, pois não basta colocar o indivíduo nesse ambiente se não há as condições propícias para que ele se mantenha na universidade e consiga aproveitar o máximo da oportunidade que lhe foi dada
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